Nota SUSPENSÃO OBRIGATORIEDADE EXAMES MÉDICOS
O Instituto Trabalho Digno alerta, em face da proposta contida na Nota Informativa da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho – Ministério da Economia (Nota Informativa SEI nº 19627/2020/ME), datada de 29 de julho de 2020, acerca de mais um retrocesso na regulamentação de saúde e segurança no trabalho que, mesmo alegadamente temporária, revela a natureza perversa do processo. A nota encaminha minuta de portaria contendo “medidas extraordinárias quanto a exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia de COVID-19, de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020”.
Entre outras medidas, a referida minuta propõe a suspensão, por prazo incerto, da realização dos exames médico ocupacionais e foi encaminhada, como posição de governo, à Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), para discussão na 7ª Reunião Ordinária, agendada para os dias 13 e 14 de agosto de 2020.
O seu proposto Artigo 2º dispõe:
Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, fica suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, previstos na Norma Regulamentadora nº 07, ressalvados os exames demissionais.
§1º Os exames a que se refere caput serão realizados no prazo máximo de cento e oitenta dias, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública, priorizando-se a realização dos exames suspensos mais antigos.
A proposta inclui a suspensão da obrigatoriedade da realização de exames médicos ocupacionais por um prazo indefinido, vinculado à vigência do estado de emergência sanitária (com tendência a durar muito tempo) e mais até 180 (cento e oitenta dias ou seis meses). Esta flexibilização é absolutamente contraditória com o dever de tutela da saúde dos trabalhadores. Inicialmente, cabe ressaltar que o Artigo 168 da CLT prevê que “será obrigatório exame médico, por conta do empregador, nas condições estabelecidas neste artigo e nas instruções complementares a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho (Redação dada pela Lei nº 7.855, de 24.10.1989)”.
A Norma Regulamentadora-NR 7 estabelece a obrigatoriedade de elaboração e implementação por parte dos empregadores do PCMSO- Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional com o objetivo de promoção e preservação da saúde do conjunto dos seus trabalhadores. A norma estabelece ainda os parâmetros mínimos a serem observados na sua execução, entre os quais a realização dos exames médicos ocupacionais.
O PCMSO tem obrigatório caráter de prevenção, rastreamento e diagnóstico precoce dos agravos à saúde relacionados ao trabalho, inclusive de natureza subclínica, além da constatação da existência de casos de doenças profissionais ou danos irreversíveis à saúde dos trabalhadores, nos termos do subitem 7.2.3 do texto ainda vigente da NR-7. Portanto, fica evidente a sua centralidade como instrumento para a preservação e promoção da saúde dos trabalhadores, muito ameaçada não apenas pela ação do novo coronavírus, não existindo qualquer justificativa técnica ou assentada no bom senso para a postergação de procedimentos.
Entre outros pontos, a minuta propõe suspender o exame médico admissional. Este procedimento é fundamental para avaliar se o trabalhador(a) possui condições físicas e mentais para exercer a função para a qual está sendo admitido, por previsão legal realizado antes do trabalhador iniciar as suas atividades. Sem a realização do exame admissional, corre-se o risco de não serem identificadas vulnerabilidades e agravos que poderão expor não apenas os trabalhadores em processo de admissão, mas todos aqueles com quem irão manter contado durante o trabalho. Igualmente deverá expor trabalhadores hipersuscetíveis a fatores psicossociais e ergonômicos, bem como a agentes físicos, químicos e biológicos, agindo de forma isolada ou sinergicamente. Uma aposta temerária com a saúde alheia, atingindo milhões de pessoas em trabalho presencial na pandemia e após a vigência do estado de emergência.
Raciocínio similar poderia ser realizado em relação à suspensão dos exames periódicos, fundamentais no acompanhamento permanente da saúde das pessoas expostas a agentes nocivos, decisivos para o diagnóstico precoce, esteio para fazer valer o direito à vida.
Chamamos a atenção para a ressalva feita no §2º do Artigo 2º da minuta da portaria:
Na hipótese de o médico coordenador do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) considerar que a prorrogação representa risco para a saúde do empregado, o médico indicará ao empregador a necessidade de sua realização, cabendo, neste caso, ao empregador providenciar a realização do referido exame.
Não há como saber se a não realização de um determinado exame representa ou não riscos para a saúde do trabalhador, sem fazê-lo. Todas as etapas (anamnese, exame físico, exames complementares se for esse o caso) são essenciais e necessárias para a conclusão acerca da aptidão ou não do trabalhador(a) para determinada função, ou se a mesma representa ou não um excesso de risco ao paciente.
Centenas de estressores físicos, químicos e biológicos continuam presentes no ambiente de trabalho mesmo na pandemia, que por si só já é uma anomalia funcional importante, assim como outros fatores de risco para o adoecimento humano. Suspender a realização de exames médicos pelo período de vigência do estado de emergência em saúde pública mais até 180 dias (seis meses), é sinônimo de manter, durante todo o período, trabalhadores expostos, portadores ou não, contaminados ou não, em limbo de incertezas na medida em que há uma sugestão de omissão avaliativa médica aos mais diversos agentes deletérios à saúde. Uma condição que pode retardar o diagnóstico e tratamento precoce de muitas doenças, inclusive da COVID-19. Não há como abrir mão da execução dos exames ocupacionais sem que, concorrentemente, se coloque em risco a saúde e integridade física dos trabalhadores. Aspectos de segurança e saúde no trabalho trazem a correlação entre a Constituição Federal, e suas cláusulas pétreas, e a CLT.
Por último, o item 4 da Nota informativa diz:
Nesse cenário, verifica-se que a obrigatoriedade de cumprimento, neste momento, de determinadas exigências das normas regulamentadoras vai de encontro às recomendações para que se evitem aglomerações de pessoas e da necessidade de adoção de isolamento social. Com isso, apresentam-se, na forma da minuta de portaria anexa, algumas medidas que poderão ser adotadas pelos empregadores para propiciar o isolamento e a quarentena dos trabalhadores, minimizando o impacto sobre os empregados e empregadores.
A alegação é insustentável. A grande maioria das pessoas está longe de ter a opção de executar suas atividades de forma remota. Para estes, compulsoriamente instados a permanecer no trabalho presencial, estão sendo propostas e difundidas medidas que buscam reduzir a chance de contaminação pelo SARS CoV-2. Evidentemente, no processo de execução da ampla gama de procedimentos abarcados pela expressão “exames médicos”, poderiam ser adotadas medidas mitigatórias dos riscos envolvidos. Por exemplo, para a redução das aglomerações e suas intercorrências: simples agendamento das consultas e procedimentos, minimização dos tempos de espera, implantação do atendimento individualizado e de intervalos, entre os pacientes, para higienização do local.
Outras medidas de caráter organizacional poderiam ajudar a evitar as aglomerações de pessoas, a única alegação para o retrocesso, e promover o isolamento social e outras providências, sem que seja necessário suspender direitos constitucionalmente garantidos, contrariar a lei ordinária ou ofender a lógica. Medidas mais significativas no esforço de contenção da pandemia e transmissão do vírus seriam: controle de aerossóis, mesmo fora dos ambientes hospitalares; a revisão e ampliação das categorias profissionais que se enquadram como grupos vulneráveis ou portadores de condições associadas ao desenvolvimento das formas mais graves da doença; o reforço da necessidade do isolamento destes grupos; a identificação, isolamento e monitoramentos dos contactantes dos casos confirmados e suspeitos, entre outras. A garantia de direitos não deveria ser uma premissa adiável ou submetida a interesses predominantemente econômicos, se considerarmos a origem da demanda.
O acompanhamento médico do trabalhador é necessário e deve ser permanente, como previsto ordinariamente no PCMSO. Na pandemia, esse cuidado deveria ser ainda maior e mais urgente, além de ser uma das atribuições dos médicos do trabalho, mesmo em empresas nas quais não seja exigido o SESMT próprio.
Trabalhadores considerados como em atividades essenciais, um conceito duvidoso para quem acredita na centralidade de todo o trabalho humano, continuaram a se expor no dia a dia, seja no transporte público ou nos postos de trabalho de empresas de teleatendimento, balcões de supermercados, esteiras e nórias em frigoríficos. Populações em retorno gradativo de suas atividades laborais também estão se expondo, muitas vezes de forma irresponsável. Para os que continuaram trabalhando ou que estão voltando às atividades, os cuidados com a saúde humana devem ser ampliados, possibilitando identificação precoce de alterações e sintomas de adoecimento.
A responsabilidade das empresas com a saúde dos seus empregados também aumenta em um tempo no qual as ações preventivas de identificação de doenças, inclusive a COVID-19, precisam ser redobradas e não adiadas! É inconcebível a redução das obrigações de Segurança e Saúde no Trabalho que possam expor os trabalhadores ao desenvolvimento de doenças que poderiam ter sido diagnosticadas e tratadas.
Esperamos que ocorra a imediata reversão desta proposta, incompatível com seu tempo.
Em 3 de agosto de 2020. Instituto Trabalho Digno
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