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<strong>Análise de 1 (um) ano da Reforma Trabalhista</strong>

Marina Sampaio[1]

Paula Freitas de Almeida[2]

A Lei nº 13.467/2017 – Reforma Trabalhista (ou Contrarreforma Trabalhista) foi sancionada em 13 de julho após aprovação do projeto de lei na Câmara dos Deputados por 296 votos favoráveis e 177 votos contrários e, no Senado Federal, por 50 votos favoráveis e 26 contrários. Ela reproduziu em grande medida a demanda dos segmentos empresariais apresentada no documento intitulado “101 Propostas para Modernização Trabalhista”, da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

As principais justificativas eram que a legislação engessaria o mercado de trabalho, pois limitava a livre contratação de trabalhadores. A legislação brasileira se oporia à dinâmica capitalista internacional, que exigiria flexibilidade nos modos de contratação e na exploração do tempo de trabalho, demandando liberdade privada de negociação e reservando ao Estado o papel de garantidor da reprodução da exploração da força de trabalho. Ainda, justificou-se a Reforma com argumentos de elevado custo do trabalho e burocracia trabalhista, que contribuiriam para altas taxas de desemprego.

A medida foi duramente criticada e encontrou resistência por parte do Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Justiça do Trabalho, centrais sindicais, estudiosos e pesquisadores sobre o mundo do trabalho e alguns partidos políticos. A despeito da impopularidade do projeto, em 11 de novembro de 2017, passou a viger a maior desconstrução de direitos trabalhistas já vivenciada no país, com a alteração de mais de 100 (cem) itens da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Passado 1 (um) ano de vigência da Reforma Trabalhista,  apresentamos um balanço de seus resultados:

  1. Descumprimento das metas de geração de empregos e instabilidade do vínculo

À época da Reforma Trabalhista, o então Ministro do Trabalho prometeu que a medida geraria 2 milhões de novos contratos de trabalho nos dois primeiros anos[3] e o relator declarou que a expectativa era a criação de 10 milhões de empregos nos próximos 14 anos[4].

No entanto, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED)[5], no período de janeiro a outubro de 2018, o saldo de empregos foi de 696.876. Ainda, a série histórica do CAGED mostra que o saldo de empregos de outubro representa somente 51,8% e 42,0% do saldo gerado em agosto e setembro/ 2018, respectivamente, em desaceleração. A expectativa é que haja saldo negativo de emprego em dezembro, pois historicamente há retração do mercado de trabalho nesse mês: em dez/ 2017 foram fechados 328.539 postos de empregos formais; em 2016, 462.366; em 2015, 596.208, com a mesma tendência nos anos anteriores. Portanto, a indicação é que no total do ano, não se atinja as metas governamentais.

Os números mostram também a falta de estabilidade característica dos vínculos trabalhistas constituídos sob uma legislação permissiva. Entre janeiro e outubro/ 2018 foram realizadas 12.736.650 admissões, ao passo que houve 12.039.774 desligamentos. Há, portanto, grande taxa de rotatividade no mercado de trabalho brasileiro e o saldo de empregos gerados correspondeu a somente 5,47% do total de admissões realizadas em 2018.

  1. Rebaixamento dos salários 

A dinâmica do uso do tempo de vida dos trabalhadores intermitentes ou contratados em jornada parcial ampliada no mercado de trabalho vem acompanhada de rebaixamento salarial, pois o binômio jornada-salário ou prestação-contraprestação, que são os objetos do contrato de trabalho, perdeu sua forma constitucional. O salário mínimo tornou-se “salário-teto”, recebido somente pelos trabalhos com maiores jornadas semanais. Segundo o CAGED, de janeiro a outubro/ 2018, 1.587.366 admissões receberam até 01 salário mínimo; dessas, 11,83% previam pagamento de até 0,5 salário mínimo. Nas contratações a tempo parcial, a remuneração média é inferior a R$ 900,00, enquanto que nos contratos intermitentes a remuneração média das mulheres é de R$ 773,00 e dos homens, R$ 970,00, retratando, ainda, a existência de discriminação de gênero.

O CAGED também demonstra que há 298.312 novos trabalhadores terceirizados, ao tempo em que pesquisas mostram que nessa forma de contratação os trabalhadores recebem salários 17% mais baixos do que aqueles contratados diretamente[6]. A legalização da terceirização nas atividades-fim deve aprofundar a tendência de redução salarial dos terceirizados. Antes, salvo exceções como a terceirização nas atividades de tecnologia da informação, o uso dessa contratação era mais empregado em profissões de menor salário, o que diminuía a margem para a redução dos rendimentos em comparação com o contratado direto, tendo em vista o piso do salário-mínimo. O alcance de profissões melhor remuneradas poderá aprofundar as diferenças salariais entre terceirizados e trabalhadores diretos, haja vista a maior margem para a redução de custos do tomador do serviço.

  1. Aumento da informalidade e possível incremento das fraudes ao vínculo de emprego

Segundo o IBGE, em novembro de 2017, o número de trabalhadores sem carteira assinada no setor privado era de 10,979 milhões. Já no terceiro trimestre de 2018, esse quantitativo aumentou para 11,511 milhões. No trabalho doméstico, o número passou de 4,344 para 4,448 milhões. Igualmente, o setor público registrou incremento, variando de 2.468 para 2,560. Houve, portanto, aumento da taxa de informalidade tanto no setor privado como no público no lapso que sucedeu a reforma o que, particularmente no trabalho doméstico, resulta no recebimento de salário médio aquém do salário mínimo, conforme se identifica no CAGED.

Entre janeiro e outubro/ 2018 foram realizados 12.039.774 desligamentos. Desses, 6.968.108 ocorreram por despedida sem justa causa, 2.747.294 a pedido e 1.637.204 por resolução de contrato a termo. O desligamento a pedido não autoriza o recebimento de seguro-desemprego ou o saque do FGTS, o que pode indicar a troca de trabalho por iniciativa do trabalhador para outro emprego em condição melhor ou a mudança para a configuração de outro vínculo como autônomo ou pessoa jurídica, muitas vezes prestando serviços para aquele que até então era seu empregador, hipótese em que resta caracterizada a fraude ao vínculo de emprego.

  1. Obstáculos ao exercício do direito de ação e ao acesso à justiça

Segundo informações do Tribunal Superior do Trabalho, a Reforma Trabalhista foi responsável por reduzir cerca de 40% dos ajuizamentos das reclamações trabalhistas: “entre janeiro e setembro de 2017, as Varas do Trabalho receberam 2.013.241 reclamações trabalhistas. No mesmo período de 2018, o número caiu para 1.287.208”[7]. Esses dados vêm sendo apresentados pelo governo e pela grande mídia como indicativo de melhoria da prestação jurisdicional e da condição geral de sua normativa. Ter-se-ia acabado com o “excesso” de processos.

No entanto, tais estatísticas não refletem o aspecto qualitativo das ações judicias e indicam a obstaculização do exercício do direito de ação e do acesso à justiça na medida em que a queda parece decorrer da previsão do ônus da sucumbência e da redução do alcance da gratuidade judiciária. A capacidade financeira dos trabalhadores não lhes possibilita arcar com riscos de pagamento de sucumbência[8]. Segundo o CAGED, 86,65% trabalhadores foram contratados entre janeiro e outubro/ 2018, recebendo até 2 salários mínimos e 95% da população ganha até R$ 2.862,00 para seu sustento e de sua família. Esse valor está significativamente aquém do previsto para a gratuidade da justiça, o que indica o reconhecimento de que essa parcela populacional não tem condições de arcar com custas processuais ou com ônus da sucumbência, mesmo que parcial.

A previsão de pagamento de honorários periciais à parte sucumbente ainda que essa seja beneficiária da justiça gratuita pode levar à redução dos pedidos relativos a matérias de medicina e segurança do trabalho, significando um impedimento das reparações dos danos à saúde e à integridade física do trabalhador e a impunidade do empregador. A ausência dessa reparação pode contribuir para o incremento dos descumprimentos das normas legais relativas a esses temas e, consequentemente, para o aumento dos adoecimentos e acidentes do trabalho.

  1. Redução do financiamento sindical e das homologações realizadas nos sindicatos

De acordo com o DIEESE, houve uma redução média de 89,36% da arrecadação dos impostos sindicais relacionados às entidades e centrais sindicais consideradas conjuntamente. No que tange à Central Única dos Trabalhadores – CUT, observou-se uma queda de R$ 54 para R$ 2,5 milhões nos repasses de contribuições sindicais quando comparados os primeiros oito meses de 2017 com os desse ano[9].

Em pesquisa de ‘Acompanhamento das Negociações Coletivas pós Reforma Trabalhista’[10], verificou-se que, no período que antecedeu a Reforma, havia relativo equilíbrio entre a mensalidade e o imposto sindical como fontes primárias do financiamento. Após, a mensalidade passou a ter maior protagonismo (aumento de 56% na participação), enquanto a participação do imposto sindical reduziu 78%. A mesma pesquisa identificou diminuição de 77,92% nas homologações realizadas nos sindicatos, demonstrando que a medida está sendo amplamente adotada pelos empregadores.

  1. Insegurança jurídica

A nova legislação trabalhista é alvo de 25 ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF)[11], as quais versam sobre contribuição sindical, trabalho insalubre de gestantes e lactantes, limites a indenizações, custas processuais e trabalho intermitente.

Conclusão

A geração de empregos não se concretizou da forma esperada pelos defensores da Reforma nesse primeiro ano; ao contrário, os dados demonstram que os empregos criados estão aquém daquilo que foi prometido. Isso indica que a desregulação do trabalho praticada no Brasil não gera empregos, eis que dependem do desenvolvimento econômico. Verifica-se que, em relação aos empregos criados, houve um rebaixamento dos salários e dos níveis de direitos assegurados aos trabalhadores, além de grande instabilidade, o que demonstra um aumento da precarização do trabalho e da desproteção do trabalhador.

Observa-se, ainda, um aumento do índice de informalidade tanto no setor privado como no público no período pós Reforma Trabalhista e um incremento na contratação de autônomos, MEIs e empregados sem registro, o que indica que o rebaixamento das exigências formais para a contratação não contribuiu efetivamente para a formalização dos vínculos de emprego.

No que tange a ações trabalhistas, a queda do número de reclamações sem o correspondente indicativo de efetividade dos direitos do trabalho demonstra a implementação de uma política de obstaculização do acesso à Justiça e, consequentemente, da legitimação da espoliação do trabalhador. Essa política pressupõe e ao mesmo tempo implica em fragilização das instituições públicas voltadas à atuação no conflito entre capital e trabalho.

A queda do financiamento sindical significa um enfraquecimento do poder dos sindicatos e consequente desequilíbrio nas negociações, em prejuízo da representação dos interesses dos trabalhadores. Ainda, a significativa redução das homologações das rescisões dos contratos de trabalho nos sindicatos, combinada com o fato de 69% das rescisões por mútuo acordo estarem sendo chanceladas pela Justiça do Trabalho em primeiro grau mesmo quando constem renúncia a direitos[12], demonstra o desamparo do trabalhador face ao poder potestativo do empregador.

Por fim, é importante apontar um efeito reflexo da desregulação do trabalho sobre a o sistema de previdência nacional. Com o aumento da informalidade dos vínculos e da não efetividade da lei sobre os vínculos formais (marcada pela redução de processos), o sistema previdenciário perde parte dos recursos destinados ao seu financiamento, convertidos em apropriação daquele que contrata a força de trabalho em vínculos informais ou que deixa de observar os recolhimentos nos vínculos formais.

Conclusivamente, a Reforma Trabalhista significou uma transformação no sistema de proteção do trabalho: aquele que antes era centrado na hipossuficiência estrutural do trabalhador frente ao capital foi substituído pela criação de um desequilíbrio jurídico de promoção da exploração da condição humana da força de trabalho em favor dele. Essas transformações ocorrem no cenário de expansão do projeto neoliberal, caracterizado pela desregulação dos direitos sociais. Fala-se em redução da interferência do Estado nas relações privadas, mas o que se tem é a ação do Estado garantindo as condições necessárias à reprodução do capital de modo concentrado e centralizado.

Ressalta-se que os dados obtidos até o momento são preliminares e indicam tendências que poderão ser alteradas, confirmadas e aprofundadas a depender de fatores como aquecimento da economia e implementação de pontos da Reforma até então evitados em razão da insegurança jurídica gerada pelas ações de inconstitucionalidade que tramitam no STF.

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[1] Auditora-Fiscal do Trabalho. Diretora de Educação do Instituto Trabalho Digno. Integrante do GT da Reforma Trabalhista do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT/IE/Unicamp).

[2] Advogada e professora na área de relações do trabalho. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Unicamp, vinculada a área de Economia do Trabalho com pesquisa acerca dos impactos da Quarta Revolução Industrial sobre as relações de trabalho no Brasil. Integra o GT da Reforma Trabalhista do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT/IE/Unicamp), associada à Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (REMIR-Trabalho) e da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET).

[3] Obtido em: https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2017/11/20/ministro-diz-esperar-2-milhoes-de-empregos-com-novas-regras-trabalhistas.htm. Acesso em 14/11/2018.

[4] MARINHO, Rogerio. Comissão Especial destinada a proferir parecer ao PL nº 6.787, de 2016, p. 49-50.

[5] As informações referenciadas ao CAGED foram trabalhadas conforme dados encontrados no Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho (PDET), disponibilizados em: http://pdet.mte.gov.br/acesso-online-as-bases-de-dado

[6] “Os resultados indicam que, numa comparação não condicional, os trabalhadores terceirizados recebem em média um salário 17% menor do que no caso em que a contratação é direta” (STEIN, G. ZYLBERSTAJN, E. ZYLBERSTAJN, H. Diferencial de salários da mão de obra terceirizada no Brasil. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ee/article/view/102004/133174. Acesso em 26/11/2018.

[7] TST (2018). Primeiro ano da reforma trabalhista: efeitos. Disponível em: http://www.tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/id/24724445. Acesso em 26/11/2018.

[8] A questão dos riscos transcende a discussão do ter ou não ter direito e se seu pedido foi ou não com respeito à boa-fé processual. São riscos que estão relacionados à apresentação de provas, muitas vezes periciais ou materiais que estão em posse do empregador, cabendo ao livre convencimento do juiz decidir se o direito reclamado existe e o quanto deve ser pago para sua reparação. Essa problemática se torna ainda maior quando frente a direitos relativos a bens imateriais ou como a dignidade ou como integridade física e psíquica violada por assédio moral, assédio sexual, sujeição ao acidente de trabalho, etc.

[9] Obtido em: https://epoca.globo.com/cut-demite-pode-mudar-de-predio-afunda-na-maior-crise-sindical-ja-vivida-23245311. Acesso em 23/11/2018.

[10] Pesquisa elaborada no âmbito da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (REMIR).

[11] Obtido em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/11/06/primeiro-ano-da-reforma-trabalhista-nao-trouxe-ganho-a-trabalhador-indica-debate. Acesso em 11/11/2018.

[12] CNJ. Justiça em números 2018. Obtido em http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/44b7368ec6f888b383f6c3de40c32167.pdf. Acesso em 27/11/2018.

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