Estamos em tempos de pandemia da COVID-19, em situação de emergência de saúde pública, decorrente do novo coronavírus. E, contrariando uma conhecida citação, ousamos dizer que o essencial não deve ser invisível aos olhos.
Para o enfrentamento dessa situação, temos relacionadas atividades consideradas essenciais para garantir bens, serviços e insumos à população. São atividades tidas como indispensáveis. Como por exemplo, o setor de saúde, segurança, alimentação, fornecimento de água e energia, coleta de resíduos, entre outros.
Na atual pandemia da COVID-19, lidando com as questões do mundo do trabalho, passamos a refletir sobre quem executa essas atividades, ou seja, os trabalhadores. Primeiro porque, na sua maior parte, não lhes cabe usufruir do direito ao isolamento, previsto pela OMS – Organização Mundial de Saúde e em vários outros regulamentos sanitários e de orientações sobre o tema. Depois porque precisam executar suas atividades com a máxima segurança possível, devendo os riscos de contágio, pelo coronavírus, nos ambientes de trabalho, serem devidamente eliminados, corrigidos, controlados e/ou minimizados para prevenir a COVID-19 e as eventuais consequências de gravidade dessa doença.
Essenciais são tidos como fundamentais, básicos, primordiais. E não somente as atividades, mas quem as executa deve ter essas prerrogativas. O trabalho, realizado pelos trabalhadores, é a força que não permite que o país pare, é a força de quem lida com os serviços e cuidados com a saúde de quem adoece, de quem mantem as cidades limpas, de quem transporta as pessoas e o sustento de todos, de quem busca alternativas e soluções de lidar, da melhor forma possível, com esta crise.
Se são tão essenciais, a quem interessa torná-los invisíveis, descartáveis, sem direitos? Qual a importância que realmente tem sua segurança e a prioridade da manutenção do seu emprego, seu sustento? Até que ponto seu bem-estar pode ser sacrificado nesse tempo, pelo medo de adoecer, de não se proteger adequadamente, para realizar suas atividades, pela necessidade de se afastar de suas famílias? Pode essa crise relegar sua vida, saúde e integridade?
Temos que o Brasil lidera o ranking em número de mortes de profissionais de saúde pela COVID-19. São centenas de médicos e enfermeiros cujas vidas foram ceifadas prestando seus serviços.
Citamos também o setor de abate e processamento de carnes, os conhecidos frigoríficos, que vem tendo destaque pela interdição de seus estabelecimentos, por todo país, por serem polos de contaminação dos seus trabalhadores e familiares e que seguem sem executar protocolos sanitários, com medidas mínimas determinadas, e sem organizar seu trabalho para um funcionamento mais seguro. E poderíamos citar vários outros exemplos de atividades que, funcionando normalmente, se apresentam com seus trabalhadores adoecendo da COVID-19, por falhas na sua gestão de segurança e saúde, nesta pandemia.
Por que isso acontece? Onde estamos falhando como sociedade? O que falta para um devido enfrentamento dessa situação no país? Falta valorizar e proteger adequadamente esse essencial, que é o trabalhador. E isso inclui, entre outras coisas:
Combater o surto da COVID-19, priorizando a vida acima da produção – o social acima do econômico;
A promoção de melhores condições de seu trabalho e realização de ações de prevenção e medidas de proteção contra riscos ocupacionais, incluindo as medidas sanitárias contra o coronavírus;
A valorização dos órgãos que fiscalizam essas condições, cujos agentes públicos, entre eles, os Auditores-Fiscais do Trabalho, precisam de mais respeito e espaço institucional para terem mais efetividade nas suas ações;
O fortalecimento das suas representações sindicais para permitir maior participação nas tomadas de decisões, nas questões que dizem respeito à sua saúde, emprego e renda;
Uma maior integração de ações entre os órgãos que lidam com o mundo do trabalho;
O verdadeiro exercício do diálogo social, equilibrado, visando o estabelecimento de normas e proteção eficazes e melhoresrelações de trabalho.
E assim, olhando o essencial do mundo do trabalho, que não deve ser invisível aos olhos, poderemos lidar e enfrentar melhor esta pandemia e sonhar com tempos melhores que venham como resultado desse olhar. É o desejo e a luta de muitos. Ana Mércia Vieira Fernandes é Auditora-Fiscal do Trabalho e Diretora de Relações Institucionais do Instituto Trabalho Digno – ITD
Comments