Em nota oficial, o Instituto Trabalho Digno defende a necessidade e fortalecimento da Inspeção do Trabalho. POR QUE INSPEÇÃO DO TRABALHO?
Estamos vivendo o processo de transição para um novo governo em nosso país.
Somos uma entidade de caráter científico, sem fins lucrativos, que se dedica a estudos, pesquisas e outras iniciativas técnico-científicas sobre o mundo do trabalho e temos observado uma aparente relutância na tomada de decisões, especialmente as relacionadas ao valor Trabalho. Entre elas, por que uma Inspeção do Trabalho, como estrutura de Estado?
Suas competências estão alicerçadas na Convenção nº 81 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Seus objetivos são amplos na promoção do trabalho decente, desde os seus primórdios centrada na oferta de boas condições de segurança e saúde até a indução de uma eficaz e competitiva gestão dos processos de produção.
É cada vez mais frequente a adesão de nossas empresas aos chamados padrões de qualidade estabelecidos pela International Organization for Standardization (ISO), que exigem, concomitantemente com outras boas práticas, também condições dignas de trabalho[1] e remuneração. Empresas com interface no competitivo mercado internacional têm crescente interesse nas certificações de qualidade, até porque governos e grupos econômicos rivais podem impor embargos e barreiras comerciais a determinados produtos, em regiões com indícios de exploração do trabalho infantil, análogo à escravidão ou mesmo com a submissão a condições que atentam contra a saúde e segurança. A acusação de dumping social contra países que remuneram mal a sua força de trabalho ou não garantem a integridade de seus trabalhadores é sempre uma possibilidade real, inclusive no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC)[2].
Por outro lado, empresas transnacionais, que comercializam ou distribuem produtos diversos, estão cada vez mais adotando as chamadas normas de fair trade aos países do Terceiro Mundo, inclusive impondo relações preferenciais aos que seguem normas internacionais de proteção ao trabalho, inclusive por sistemas de certificação, que buscam assegurar aos consumidores que os produtos adquiridos e certificados respeitam normas sociais, econômicas e ambientais. Não por mera coincidência, mesmo em países com forte hegemonia liberal, coexistem estruturas estatais fortes e referenciais no campo da inspeção do trabalho, vide a agência Occupational Safety and Health Administration (OSHA)[3], vinculada ao Departamento do Trabalho norte-americano e o Health and Safety Executive (HSE)[4], na Grã-Bretanha, com raízes no distante 1833. Em seu site, o HSE explicita parte de sua missão, e de toda a Inspeção do Trabalho, em uma sociedade livre:
O mundo do trabalho está sempre mudando. Nós usamos a ciência para entender essas mudanças. E esse entendimento nos ajuda a nos preparar para os locais de trabalho de amanhã … então a Grã-Bretanha continua sendo um dos lugares mais seguros e melhores para trabalhar e fazer negócios.
Recente estudo, realizado no Rio Grande do Sul, revelou que o número de mortes violentas por acidentes laborais em 2016, 506 (quinhentos e seis), superava em quatro vezes o número total de óbitos oficialmente registrados pela Previdência Social no mesmo período. Quando somadas as estimativas de mortes por doença laborais, cujos registros oficiais são zero, chega-se a 4 mil óbitos anuais no Estado. Se projetados à esfera nacional, estima-se um número de mortes violentas superior a 10 mil e mais de 70 mil óbitos / ano por doenças relacionada ao trabalho. Um número 50% superior ao número total de homicídios dolosos registrados no país. Sem nunca esquecer a imensa dor e sofrimento impostos pelos acidentes e adoecimentos derivados da ocupação ao indivíduo e seus familiares e amigos, seus custos econômicos para as empresas e setor público são exorbitantes.
Estimativas, hoje já consideradas conservadoras, apontam um custo de cerca de 41 bilhões de reais imposto para as empresas e de 71 bilhões para o Brasil[5], valores ainda de 2009, apenas pelas intercorrências relacionadas ao fenômeno. Nossa combalida Previdência Social Pública é a mais atingida, já que arca com seus efeitos econômicos a partir do 16º dia de afastamento do acidentado. Ainda no campo da Previdência, o combate à informalidade no registro do trabalhador, bem como a possibilidade de inibição da prática de sonegação de tributos e contribuições previdenciários, infelizmente ainda não implementada em toda a sua potencialidade, são exemplos da ação estabilizadora da Inspeção do Trabalho, no Brasil denominada Auditoria Fiscal do Trabalho.
No campo da saúde e segurança do trabalho, há ainda indícios de intensa sonegação da chamada contribuição previdenciária adicional, relacionada ao custeio da aposentadoria especial, com potencial e expressiva lesão aos cofres públicos. Idem para todas as relações estabelecidas em função do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e para as alíquotas relacionadas aos riscos ocupacionais prefixados[6], e dos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), onde a ação indireta e saneadora da Auditoria do Trabalho é evidente, mas ainda passível de decisões de governo no sentido de sua melhoria.
Enfim, a Inspeção do Trabalho de Estado é, além de elemento para a efetividade de leis e regulamentos de proteção ao trabalho, uma estrutura estabilizadora e indutora boas práticas empresariais, contribuindo para a eficiência e competitividade econômicas.
No Brasil atual, podemos nos dar ao luxo de dispensar ou minimizar o seu papel na regulação do trabalho, neste momento de nossa história? O Instituto Trabalho Digno entende que não, esta fiscalização é fundamental para o desenvolvimento econômico e social sustentáveis. Com a palavra, os novos governantes.
7 de novembro de 2018.
Instituto Trabalho Digno
[1] Vide, por exemplo, a norma ISO 45001: 2018 – Occupational health and safety management systems – Requirements, International Organization for Standardization – https://www.iso.org/iso-45001-occupational-health-and-safety.html
[2] https://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u107520.shtml
[3] https://www.osha.gov/ – The Congress created the Occupational Safety and Health Administration (OSHA) to assure safe and healthful working conditions for working men and women by setting and enforcing standards and by providing training, outreach, education and assistance.
[4] http://www.hse.gov.uk/aboutus/index.htm
[5] https://www.josepastore.com.br/artigos/rt/rt_320.htm
[6] https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2017/09/receita-identifica-sonegacao-da-contribuicao-previdenciaria-em-46483-empresas.html
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